quinta-feira, 11 de março de 2010

Leia no Mensageiro de Março - “Comi de mais” X “Estou com fome”





Carlos Walter Winterle


Quantas vezes levantamos da mesa e dizemos: “Comi de mais! Até estou me sentindo desconfortável”. E a obesidade, já há muito tempo, é um dos males que aflige a humanidade, causando uma sequência de doenças e complicações. Os livros de dietas e regimes multiplicam-se nas prateleiras das livrarias, enchendo os bolsos dos autores e editores.


Poder comer bem é uma bênção; mas exagerar não. O autor de Eclesiastes (3.12,13) diz: “Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada; e que também é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu trabalho”. Nosso Senhor Jesus não desprezava o convite para uma boa refeição na casa de amigos (Lucas 10.38-42) e, até na casa dos cobradores de impostos (Mateus 9.9-13; Lucas 19) e, ainda na dos fariseus (Lucas 7.36).


A realidade que minha esposa e eu estamos vivendo no Quênia aguçou o nosso sentimento para uma outra realidade: pessoas que têm apenas o essencial para comer e muitas vezes passam fome. Muitos dos órfãos atendidos pelo Programa de Alimentação de nossa igreja comem apenas uma refeição por dia – apenas o que ganham na igreja – não tendo nada para comer nos casebres em que são alojados por seus tutores. Um programa de ajuda fornecida pelo governo está possibilitando algumas famílias a terem uma segunda refeição por dia. Mas para a grande maioria das famílias apoiadas, a verba recebida garante apenas uma refeição.


Quando estávamos à caminho do Quênia, uma amiga, na África do Sul, nos disse: “Vocês estão indo para a terra das pessoas altas e magras...” Além de uma questão genética, a falta de comida e as longas caminhadas de casa para o trabalho (pois não podem pagar condução) contribuem para esta característica de magreza da maioria da população local.


Quando disse que “a realidade que minha esposa e eu estamos vivendo aguçou o nosso sentimento”, é que já havíamos vivido realidade semelhante nos primeiros anos do nosso ministério nas favelas de São Paulo. Mas, a pobreza e a miséria da África não têm nem comparação com a pobreza e a miséria do Brasil... e nossos amigos brasileiros aqui e os familiares que nos visitaram concordam plenamente com isto.


Quaresma
Quaresma era, tradicionalmente, um período em que os cristãos praticavam o jejum. Mas, sabemos da própria Bíblia que o jejum – a abstinência de comida ou bebida por um certo período de tempo – por si só não tem valor algum e pode até ser um motivo de orgulho por parte de quem o pratica. O verdadeiro jejum é descrito por Deus em Isaias 58.6,7: “Porventura não é este o jejum que escolhi: ...que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante?”


Encontrei no site de RENAS – Rede Evangélica Nacional de Ação Social – uma citação que me marcou e compartilho com os amigos. Aristides, por volta do ano 125 D.C., escreveu a respeito dos cristãos:


"Eles caminham em humildade e em bondade, e a falsidade não está no meio deles, e eles amam uns aos outros. Eles não desprezam a viúva, nem afligem o órfão. Quem tem reparte liberalmente com quem não tem. Se veem um estrangeiro, o abrigam em sua casa e se alegram com ele, como se fosse um irmão: pois se autodenominam irmãos, não segundo a carne, mas segundo o espírito e Deus; quando um de seus pobres parte deste mundo e qualquer um deles é informado sobre o ocorrido, ele providencia o enterro conforme sua possibilidade; se ouvem que qualquer um deles foi preso ou oprimido em nome de seu Messias, todos suprem suas necessidades, e, se é possível libertá-lo, eles assim o fazem. Se há entre eles um homem pobre e necessitado, e eles não têm recursos para ajudá-lo, eles jejuam por dois ou três dias a fim de suprir o necessitado com o alimento necessário." (Ronald Sider, em O Escândalo do Comportamento Evangélico http://www.renas.org.br/?pg=show&registro=1586&util=1).


Que tal seguir o exemplo e, de vez em quando, em vez de preparar uma farta refeição (pois, muitas vezes exageramos na quantidade), comer algo mais simples e destinar o que seria gasto com o banquete ou a churrascada para a Ação Social de sua congregação ou da IELB? Ou, talvez, pelo menos destinar o mesmo valor que gastamos na refeição em que todos vão dizer “Comi de mais!” para ajudar os que dizem “Estou com fome”?


O apóstolo Tiago, em sua carta, é muito enfático na prática da fé cristã e na ajuda aos necessitados. No capítulo 1.27, ele escreve: “Para Deus, o Pai, a religião pura e verdadeira é esta: ajudar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e não se manchar com as coisas deste mundo.” No capítulo 5.5, ele condena os ricos que agem com injustiça, explorando os pobres, e diz: “Vocês têm tido uma vida de luxo e prazeres aqui na terra e estão gordos como gado pronto para o matadouro.”


João, o apóstolo do amor, escreve em sua Primeira carta 3.17,18: “Se alguém é rico e vê o seu irmão passando necessidade, mas fecha o seu coração para esta pessoa, como pode afirmar que, de fato, ama a Deus? Meus filhinhos, o nosso amor não deve ser só de palavras e de conversa. Deve ser um amor verdadeiro, que se mostra por meio de ações.”


Pensando como Cristo
Jesus é nosso parâmetro. O apóstolo Paulo diz em Filipenses 2.5-8: “Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar que Cristo Jesus tinha: ... ele abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo... E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi obediente a Deus até a morte – e morte de cruz.”
Do livro antes citado, destaco mais um trecho: “Tertuliano (155-220) registrou que até mesmo os inimigos do cristianismo consideravam o amor mútuo entre os cristãos como sua “marca”: “Nosso cuidado para com os abandonados e nosso amor ativo se tornaram uma marca diante do inimigo. [...]. Eles dizem: ‘Vejam como se amam e como estão prontos para morrer um pelo outro’”.


Antes de dizer novamente “Comi de mais!”, lembre-se dos que dizem “Estou com fome”. Seja no Brasil, no Haiti, na África, nos Estados Unidos ou na Europa. Em todos os lugares e países há pessoas com fome!
Talvez, seja apropriado, nesse tempo de Quaresma, olhar de forma mais abrangente para as necessidades do nosso próximo e para as nossas oportunidades de servir em amor, relembrando as Palavras de Jesus em Mateus 25.31-40:


“... Quando o Filho do Homem vier como Rei, com todos os anjos, ele se sentará no seu trono real.Todos os povos da terra se reunirão diante dele,e ele separará as pessoas umas das outras, assim como o pastor separa as ovelhas das cabras. Ele porá os bons à sua direita e os outros à esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Venham, vocês que são abençoados pelo meu Pai! Venham e recebam o Reino que o meu Pai preparou para vocês desde a criação do mundo. Pois eu estava com fome, e vocês me deram comida; estava com sede, e me deram água. Era estrangeiro, e me receberam na sua casa. Estava sem roupa, e me vestiram; estava doente, e cuidaram de mim. Estava na cadeia, e foram me visitar. Então os bons perguntarão: Senhor, quando foi que o vimos com fome e lhe demos comida ou com sede e lhe demos água? Quando foi que vimos o senhor como estrangeiro e o recebemos na nossa casa ou sem roupa e o vestimos? Quando foi que vimos o senhor doente ou na cadeia e fomos visitá-lo? Aí o Rei responderá: - Eu afirmo a vocês que isto é verdade: quando vocês fizeram isso ao mais humilde dos meus irmãos, foi a mim que fizeram.”


Winterle, é pastor da IELB cedido à Igreja Luterana de Nairobi, Quênia

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